segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Fonte: Folha SP online

ENTREVISTA TOM FEILING




ESCRITOR INGLÊS LANÇA LIVRO NOS EUA COM HISTÓRICO DA DROGA, CUJO CONSUMO, SEGUNDO DIZ, VOLTA A CRESCER ENTRE OS JOVENS

VAGUINALDO MARINHEIRO
DE LONDRES

Tom Feiling, um documentarista e escritor de 42 anos, quer convencer o mundo de que o consumo de todas as drogas deve ser livre.
"Só há uma forma de evitar milhares de mortes provocados pelo tráfico: a legalização da droga, principalmente a cocaína", diz o britânico, que acaba de ter o seu livro "Cocaine Nation: How the White Trade Took Over the World" publicado nos EUA.
Feiling faz um amplo e detalhado histórico da cocaína, desde o tempo em que era consumida pelos andinos antes da chegada dos espanhóis até os dias de hoje, quando, afirma, está voltando à moda entre os jovens.
O escritor morou um ano na Colômbia e pretende voltar para lá. Por essa razão, pediu que não fosse publicada uma foto sua. "A Colômbia é um lugar maravilhoso.
Mas pode ser perigoso para alguém como eu que escreveu sobre o tráfico e sobre as ligações entre governantes e os paramilitares", afirma.

Folha - Por que decidiu escrever um livro sobre cocaína? Tom Feiling - Vivi um ano na Colômbia e quando voltei para Londres percebi que a cocaína estava voltando à moda entre os jovens. Achei que era o momento de revigorar a discussão. Há muitos livros sobre o tema, mas eles partem de um ponto de vista norte-americano. Tentei fazer algo mais amplo, com vários lados da questão.

Você diz que a guerra às drogas, conduzida pelo EUA, não dá bons resultados. Há muitas prisões, mas o consumo e a violência não caem. Por que a legalização total das drogas seria a solução do problema?
Há uma visão mais progressista que acredita que não devemos criminalizar a posse de drogas. Se uma pessoa tiver com um grama de cocaína, ela não deve ser presa. Mas muitos que apoiam essa ideia continuam a defender a perseguição às pessoas que venderam esse um grama, até chegar aos grandes produtores. O que gera a violência é a criminalização da produção e distribuição da droga, não seu consumo. A única forma de acabar com a violência é tirar a produção e distribuição das drogas das mãos de criminosos, e passar o processo para os governos ou para a iniciativa privada, com supervisão de uma agência governamental.

Mas e o nível de corrupção nos governos dos países produtores de coca?
O problema é que você não pode deixar tudo na mão da iniciativa privada porque vira simplesmente negócio. Foi um erro os países deixarem o tabaco, por exemplo, na mão de empresas privadas. Por isso é tão difícil implementar políticas para reduzir o consumo de tabaco. No caso da cocaína, é preciso legalizá-la até para ter políticas educacionais. Hoje, todo mundo sabe que fumar e beber faz mal. Está até nas embalagens. Mas com drogas não há nada. Criminalizamos e vivemos como se fosse possível o mundo sem drogas. Mas sempre haverá consumidores, quem goste de se drogar.

Você fala em legalizar para acabar com o crime, mas o crime organizado está envolvido hoje numa série de atividades que são legais, como a indústria fonográfica ou cinematográfica, via produtos piratas. Por que isso não aconteceria com as drogas?
Não há muitas oportunidades de negócio envolvendo o álcool, legalizado, para o crime organizado. No Reino Unido, há crime organizado envolvido com tráfico de cigarro, mas é pouco comparado com as drogas ilegais.

Você diz que o elo entre drogas pesadas e a violência pode ser quebrado se as drogas ficarem mais baratas e acessíveis. Mas como evitar que haja mais consumidores com preço baixo e fácil acesso?
A única maneira é educação. É preciso criar campanhas que sejam críveis principalmente para jovens. Hoje, eles não acreditam quando um professor diz que droga não é bom. Ele escutam isso de alguém que simplesmente não quer que eles se droguem. Por outro lado, eles ouvem outros jovens dizendo que cheiraram cocaína e que foi ótimo. Com a legalização, será mais fácil para os governos fazerem campanhas educativas. Não para dizer que o consumo é ilegal, mas para falar dos problemas que pode causar.

Uma das formas que o mundo está encontrando para reduzir o consumo de tabaco é aumentado o preço do cigarro, principalmente por meio de impostos. Você propõe o contrário, drogas mais baratas.
Não adianta legalizar e jogar o preço para cima. Porque os cartéis da droga continuarão a vendê-la por um preço mais barato. Isso porque a produção da droga é barata. Agora com relação ao consumo, eu cito no livro alguns estudos em que pessoas são questionadas se consumiriam cocaína se ela fosse legal. E o resultado mostra que não haveria aumento no consumo. Porque as pessoas não cheiram porque é legal ou ilegal. Mas porque gostam ou não gostam. A cocaína tem apelo, normalmente, entre os jovens e apenas por um período curto de suas vidas.

Estamos falando da cocaína, mas você é a favor da legalização de todas as drogas?
Sim.

Como parlamentar, David Cameron criticou a política britânica de combate às drogas. Acredita que agora, como primeiro-ministro, ele vai mudar alguma coisa?
Não. Políticos muitas vezes concordam, privadamente, que é preciso mudar e legalizar as drogas. Mas não querem o ônus de lutar publicamente por isso.

Vivemos em uma época em que os governos estão mais e mais querendo definir o que as pessoas podem fazer: o que podem comer, onde podem fumar, a quantidade de sal, de gordura etc. Não é uma era adversa para propor a legalização das drogas?
Os governos fazem campanhas contra tabaco, álcool e gordura porque o consumo dessas substâncias traz custo aos sistemas de saúde. Mas ninguém imagina proibir o ato de fumar. Porque um certo número de pessoas continuará fumando. E legalização dá mais controle. Legalizar não significa incentivar o consumo. Mas ter mais elementos para saber como esse consumo se dá.

Qual a sua relação com as drogas? É um consumidor, foi um consumidor?
Minha geração tomou muita droga. Havia muito ecstasy nos anos 80. Mas tenho 42 anos e meus dias de consumidor ficaram para trás.

ANÁLISE

O debate sobre a descriminalização das drogas no país


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QUEM EXERCERÁ O CONTROLE? SERÁ CRIADA UMA AGÊNCIA NACIONAL? O BRASIL NÃO PRODUZ DROGAS, SERÁ ENTÃO ESTIMULADO A FAZÊ-LO PARA TER MAIOR CONTROLE?


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SÉRGIO ADORNO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O debate no Brasil não é recente. Desde meados dos anos 70 assistimos ao crescimento do crime violento, em especial homicídios cujas vítimas preferenciais são adolescentes e jovens adultos do sexo masculino.
Esse crescimento está relacionado à chegada do crime organizado, sobretudo o comércio ilegal de drogas que se alastrou por bairros populares e centros das cidades.
Na sua esteira, cresceram roubo, assalto a banco, extorsão mediante sequestro.
A repressão violenta tem resultado em inúmeras prisões temporárias, que favorecem a construção de carreiras no crime. Além disso, há envolvimento de agentes policiais em negócios escusos.
Recentemente, reunião de ex-governantes da América Latina retirou o debate -até então restrito a especialistas- de seu confinamento.
A atual política de drogas, tradicionalmente influenciada pela política americana, tem fracassado no propósito de conter o tráfico e o consumo. Ao contrário, tem produzido efeitos bem conhecidos.
A par das disputas fatais pelo controle de pontos de venda, o narcotráfico tem representado séria ameaça para a estabilidade das democracias, notadamente nos países recém-saídos de ditaduras. O narcotráfico funciona à custa da aquiescência daqueles incumbidos de zelar pela aplicação das leis.
A despeito dos argumentos favoráveis, uma política de descriminalização de drogas não pode ignorar problemas. Há consensos quanto aos riscos para a saúde.
É provável que haja picos de consumo abusivo. Nesses casos, jovens de classes superiores terão à disposição clínicas particulares. Mas aqueles das classes de baixa renda dependerão dos serviços do SUS, já sobrecarregado e incapaz de atender às necessidades básicas de saúde no país.
Questões não menos relevantes: quem exercerá o controle sobre produção e distribuição? Será criada uma agência nacional? O Brasil não produz drogas, será então estimulado a fazê-lo para ter maior controle?
Sabemos também, dada a história política desta sociedade, que controles estatais sem lastro na opinião pública dificilmente terão êxito.
Do mesmo modo, campanhas para alertar quanto aos riscos tenderão ao fracasso caso não convençam os potenciais consumidores.
Por fim, uma política nacional não acompanhada pelos países de fronteira, em particular os produtores, poderá tornar o Brasil um território livre para consumo de drogas, com todas as consequências indesejáveis.
Por isso, seria importante melhor conhecer a experiência acumulada em países que relaxaram os controles, como é o caso da Holanda.
O debate, necessário e oportuno, requer pesar todos esses aspectos e evitar tanto as defesas apaixonadas quanto a prisão do moralismo conservador.


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Sérgio Adorno, professor titular, é coordenador do NEV-USP, do INCT-CNPq Violência, Democracia e Segurança Cidadã e da Cátedra UNESCO de Educação para a Paz, Direitos Humanos, Democracia e Tolerância.

Um comentário:

Vicente Lichoti disse...

O tema segurança pública nunca foi levado a sério nos debates políticos no Brasil. A direita oferece soluções imediatas, tipo a diminuição da maioridade penal e maior poder de execução para a polícia, ações estas, supostamente salvadoras do problema, enquanto a esquerda não foge muito a essa regra, ao defender a legalização de intorpecentes.
Acontece que no Brasil o tráfico de drogas é, sem sombra de dúvidas, a maior causa para o tormento de nossos jovens e destruição de nossas famílias. A legalização não será a solução, mas indica caminhos para uma intervenção mais condensada do Estado na prevenção de crimes. A droga descriminalizada continuará sendo inimiga para a sociedade, porém, transcenderá de um problema "invisível" para uma realidade "visível", logo, é melhor atacar um inimigo quando você o vê por meios legais.