segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Proibido fumar: Cigarro



Pesquisa afirma que 9% dos que experimentam a erva ficam dependentes; tabaco marca 32%, e álcool, 15%
Uso prolongado da droga aumenta, porém, riscos de doenças mentais, bronquite, câncer e depressão

RICARDO MIOTO
DE SÃO PAULO

Maconha é coisa de jovem: o usuário típico deixa a erva conforme vai envelhecendo, diz um estudo internacional que revisou os principais trabalhos já feitos sobre o tema.
De acordo com o "Cannabis Policy", publicação de 300 páginas lançada nos EUA, a droga ganha do álcool e do tabaco em segurança. Nove por cento dos que experimentam maconha tornam-se dependentes, contra 32% do tabaco e 15% do álcool.
Segundo os dados de Robin Room, da University of Melbourne, líder do trabalho, a droga causa relativamente poucos acidentes de trânsito. "Essa é a principal preocupação relacionada aos efeitos agudos da maconha", escreve Room, "porque ela reduz a atenção e a coordenação motora".
Dados mais recentes mostram que a maconha duplica a chance de acidentes. O álcool é pior: aumenta mais de dez vezes o risco. "Aparentemente, os motoristas que fumaram maconha dirigem mais devagar."

FAZ MAL, MAS QUANTO?
O estudo de Room esteve no centro de uma polêmica entre dois cientistas brasileiros. Ronaldo Laranjeira, da Unifesp, citou o trabalho em artigo nesta Folha, listando doenças relacionadas à erva e argumentando que é falácia dizer que ela é segura.
Em resposta, Sidarta Ribeiro, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, acusou o colega de distorcer o estudo, que sugere a legalização da droga, porque "seus danos são modestos". Ambos elogiam o currículo de Room e seu trabalho.
O "Cannabis Policy" lista problemas relacionados ao uso contínuo da maconha, mas faz considerações sobre a limitação do seu impacto.
Relata a relação entre seu uso na gravidez e a redução do peso do bebê ao nascer, mas menos do que no caso do tabaco. Cita ansiedade e insônia como sintomas comuns de viciados que tentam abandonar a erva.
Usuários têm mais chance de ter bronquite e câncer no pulmão. Room estima que um homem de 44 anos que fumou maconha por toda a vida diariamente tem 3% mais risco de sofrer infarto.
A maconha aumenta em mais de duas vezes o risco de esquizofrenia. Ainda assim, cientistas calculam que, para evitar um caso da doença entre jovens adultos, seria preciso fazer com que 5.000 pessoas não fumassem a erva.
O risco de depressão é mais de duas vezes maior. Mas não há como excluir a hipótese de que depressivos fumem como automedicação -é difícil saber qual a causa e qual a consequência.
O mesmo ocorre com a evasão escolar. É a erva que deixa os adolescentes desanimados com a vida ou jovens sem rumo procuram mais as drogas?
Mesmo assim, Room acredita que a erva não é especialmente problemática. "Os riscos à saúde do tabaco e do álcool são muito maiores."

Psiquiatra afirma que a legalização aumentaria o uso

DE SÃO PAULO

No Brasil, 2,6% da população já experimentou maconha. Na Europa Ocidental, 7%. Na América do Norte e na Oceania, 11% e 16%.
Para o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, legalizar a droga no Brasil seria aceitar o risco de ver o consumo disparar. "O preço seria ver o país chegar em um padrão australiano daqui a dez anos. Se isso acontecer, em um país sem retaguarda do sistema de saúde, a população necessitada vai ficar desassistida."
O trabalho de Robin Room cita o caso da Holanda, onde é possível fumar a erva em coffee shops, embora a maconha não seja legalizada.
Lá, com o crescimento no número desses estabelecimentos, o número de jovens entre 18 e 20 anos que já tinha fumado subiu de 15% para 44% em 12 anos.
"A maconha não faz parte da nossa cultura. Se você fizer um plebiscito sobre a legalização, ela perde fácil", acredita Laranjeira.
Já o neurologista Sidarta Ribeiro prega a legalização. "Por que a maconha é considerada porta de entrada para as outras drogas? Porque as outras são vendidas pelos mesmos traficantes", diz.
Apesar do aumento no número de usuários, a Holanda teve sucesso em afastá-los de traficantes: 87% da maconha consumida em Amsterdã é comprada em coffe shops.
Laranjeira acha que o maior objetivo de uma política sobre a maconha deve ser evitar aumento no número de usuários. Ribeiro se preocupa mais em tirar a erva da mão dos traficantes.
"Nada garante que, após a legalização, variações mais perigosas da maconha não surjam, como já ocorre no Reino Unido", diz Laranjeira.
O trabalho de Room fala pouco sobre o uso medicinal da maconha, outra área em que os pesquisadores discordam. Ribeiro aponta os benefícios contra dor e insônia, por exemplo. Laranjeira acha que há substâncias melhores para tratar esses sintomas.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Fonte: Folha SP online

ENTREVISTA TOM FEILING




ESCRITOR INGLÊS LANÇA LIVRO NOS EUA COM HISTÓRICO DA DROGA, CUJO CONSUMO, SEGUNDO DIZ, VOLTA A CRESCER ENTRE OS JOVENS

VAGUINALDO MARINHEIRO
DE LONDRES

Tom Feiling, um documentarista e escritor de 42 anos, quer convencer o mundo de que o consumo de todas as drogas deve ser livre.
"Só há uma forma de evitar milhares de mortes provocados pelo tráfico: a legalização da droga, principalmente a cocaína", diz o britânico, que acaba de ter o seu livro "Cocaine Nation: How the White Trade Took Over the World" publicado nos EUA.
Feiling faz um amplo e detalhado histórico da cocaína, desde o tempo em que era consumida pelos andinos antes da chegada dos espanhóis até os dias de hoje, quando, afirma, está voltando à moda entre os jovens.
O escritor morou um ano na Colômbia e pretende voltar para lá. Por essa razão, pediu que não fosse publicada uma foto sua. "A Colômbia é um lugar maravilhoso.
Mas pode ser perigoso para alguém como eu que escreveu sobre o tráfico e sobre as ligações entre governantes e os paramilitares", afirma.

Folha - Por que decidiu escrever um livro sobre cocaína? Tom Feiling - Vivi um ano na Colômbia e quando voltei para Londres percebi que a cocaína estava voltando à moda entre os jovens. Achei que era o momento de revigorar a discussão. Há muitos livros sobre o tema, mas eles partem de um ponto de vista norte-americano. Tentei fazer algo mais amplo, com vários lados da questão.

Você diz que a guerra às drogas, conduzida pelo EUA, não dá bons resultados. Há muitas prisões, mas o consumo e a violência não caem. Por que a legalização total das drogas seria a solução do problema?
Há uma visão mais progressista que acredita que não devemos criminalizar a posse de drogas. Se uma pessoa tiver com um grama de cocaína, ela não deve ser presa. Mas muitos que apoiam essa ideia continuam a defender a perseguição às pessoas que venderam esse um grama, até chegar aos grandes produtores. O que gera a violência é a criminalização da produção e distribuição da droga, não seu consumo. A única forma de acabar com a violência é tirar a produção e distribuição das drogas das mãos de criminosos, e passar o processo para os governos ou para a iniciativa privada, com supervisão de uma agência governamental.

Mas e o nível de corrupção nos governos dos países produtores de coca?
O problema é que você não pode deixar tudo na mão da iniciativa privada porque vira simplesmente negócio. Foi um erro os países deixarem o tabaco, por exemplo, na mão de empresas privadas. Por isso é tão difícil implementar políticas para reduzir o consumo de tabaco. No caso da cocaína, é preciso legalizá-la até para ter políticas educacionais. Hoje, todo mundo sabe que fumar e beber faz mal. Está até nas embalagens. Mas com drogas não há nada. Criminalizamos e vivemos como se fosse possível o mundo sem drogas. Mas sempre haverá consumidores, quem goste de se drogar.

Você fala em legalizar para acabar com o crime, mas o crime organizado está envolvido hoje numa série de atividades que são legais, como a indústria fonográfica ou cinematográfica, via produtos piratas. Por que isso não aconteceria com as drogas?
Não há muitas oportunidades de negócio envolvendo o álcool, legalizado, para o crime organizado. No Reino Unido, há crime organizado envolvido com tráfico de cigarro, mas é pouco comparado com as drogas ilegais.

Você diz que o elo entre drogas pesadas e a violência pode ser quebrado se as drogas ficarem mais baratas e acessíveis. Mas como evitar que haja mais consumidores com preço baixo e fácil acesso?
A única maneira é educação. É preciso criar campanhas que sejam críveis principalmente para jovens. Hoje, eles não acreditam quando um professor diz que droga não é bom. Ele escutam isso de alguém que simplesmente não quer que eles se droguem. Por outro lado, eles ouvem outros jovens dizendo que cheiraram cocaína e que foi ótimo. Com a legalização, será mais fácil para os governos fazerem campanhas educativas. Não para dizer que o consumo é ilegal, mas para falar dos problemas que pode causar.

Uma das formas que o mundo está encontrando para reduzir o consumo de tabaco é aumentado o preço do cigarro, principalmente por meio de impostos. Você propõe o contrário, drogas mais baratas.
Não adianta legalizar e jogar o preço para cima. Porque os cartéis da droga continuarão a vendê-la por um preço mais barato. Isso porque a produção da droga é barata. Agora com relação ao consumo, eu cito no livro alguns estudos em que pessoas são questionadas se consumiriam cocaína se ela fosse legal. E o resultado mostra que não haveria aumento no consumo. Porque as pessoas não cheiram porque é legal ou ilegal. Mas porque gostam ou não gostam. A cocaína tem apelo, normalmente, entre os jovens e apenas por um período curto de suas vidas.

Estamos falando da cocaína, mas você é a favor da legalização de todas as drogas?
Sim.

Como parlamentar, David Cameron criticou a política britânica de combate às drogas. Acredita que agora, como primeiro-ministro, ele vai mudar alguma coisa?
Não. Políticos muitas vezes concordam, privadamente, que é preciso mudar e legalizar as drogas. Mas não querem o ônus de lutar publicamente por isso.

Vivemos em uma época em que os governos estão mais e mais querendo definir o que as pessoas podem fazer: o que podem comer, onde podem fumar, a quantidade de sal, de gordura etc. Não é uma era adversa para propor a legalização das drogas?
Os governos fazem campanhas contra tabaco, álcool e gordura porque o consumo dessas substâncias traz custo aos sistemas de saúde. Mas ninguém imagina proibir o ato de fumar. Porque um certo número de pessoas continuará fumando. E legalização dá mais controle. Legalizar não significa incentivar o consumo. Mas ter mais elementos para saber como esse consumo se dá.

Qual a sua relação com as drogas? É um consumidor, foi um consumidor?
Minha geração tomou muita droga. Havia muito ecstasy nos anos 80. Mas tenho 42 anos e meus dias de consumidor ficaram para trás.

ANÁLISE

O debate sobre a descriminalização das drogas no país


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QUEM EXERCERÁ O CONTROLE? SERÁ CRIADA UMA AGÊNCIA NACIONAL? O BRASIL NÃO PRODUZ DROGAS, SERÁ ENTÃO ESTIMULADO A FAZÊ-LO PARA TER MAIOR CONTROLE?


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SÉRGIO ADORNO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O debate no Brasil não é recente. Desde meados dos anos 70 assistimos ao crescimento do crime violento, em especial homicídios cujas vítimas preferenciais são adolescentes e jovens adultos do sexo masculino.
Esse crescimento está relacionado à chegada do crime organizado, sobretudo o comércio ilegal de drogas que se alastrou por bairros populares e centros das cidades.
Na sua esteira, cresceram roubo, assalto a banco, extorsão mediante sequestro.
A repressão violenta tem resultado em inúmeras prisões temporárias, que favorecem a construção de carreiras no crime. Além disso, há envolvimento de agentes policiais em negócios escusos.
Recentemente, reunião de ex-governantes da América Latina retirou o debate -até então restrito a especialistas- de seu confinamento.
A atual política de drogas, tradicionalmente influenciada pela política americana, tem fracassado no propósito de conter o tráfico e o consumo. Ao contrário, tem produzido efeitos bem conhecidos.
A par das disputas fatais pelo controle de pontos de venda, o narcotráfico tem representado séria ameaça para a estabilidade das democracias, notadamente nos países recém-saídos de ditaduras. O narcotráfico funciona à custa da aquiescência daqueles incumbidos de zelar pela aplicação das leis.
A despeito dos argumentos favoráveis, uma política de descriminalização de drogas não pode ignorar problemas. Há consensos quanto aos riscos para a saúde.
É provável que haja picos de consumo abusivo. Nesses casos, jovens de classes superiores terão à disposição clínicas particulares. Mas aqueles das classes de baixa renda dependerão dos serviços do SUS, já sobrecarregado e incapaz de atender às necessidades básicas de saúde no país.
Questões não menos relevantes: quem exercerá o controle sobre produção e distribuição? Será criada uma agência nacional? O Brasil não produz drogas, será então estimulado a fazê-lo para ter maior controle?
Sabemos também, dada a história política desta sociedade, que controles estatais sem lastro na opinião pública dificilmente terão êxito.
Do mesmo modo, campanhas para alertar quanto aos riscos tenderão ao fracasso caso não convençam os potenciais consumidores.
Por fim, uma política nacional não acompanhada pelos países de fronteira, em particular os produtores, poderá tornar o Brasil um território livre para consumo de drogas, com todas as consequências indesejáveis.
Por isso, seria importante melhor conhecer a experiência acumulada em países que relaxaram os controles, como é o caso da Holanda.
O debate, necessário e oportuno, requer pesar todos esses aspectos e evitar tanto as defesas apaixonadas quanto a prisão do moralismo conservador.


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Sérgio Adorno, professor titular, é coordenador do NEV-USP, do INCT-CNPq Violência, Democracia e Segurança Cidadã e da Cátedra UNESCO de Educação para a Paz, Direitos Humanos, Democracia e Tolerância.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

EM DEFESA DA CIÊNCIA

EM DEFESA DA CIÊNCIA
Dartiu Xavier da Silveira

Doutor em Psiquiatria e Psicologia médica



A maconha tem sido utilizada há séculos por suas propriedades terapêuticas e seu uso medicinal vem crescendo progressivamente em diversos países (EUA, Canadá, entre outros) graças à possibilidade de verdadeiros pesquisadores testarem suas hipóteses. É assim que caminha o avanço científico. Em inúmeras áreas, principalmente na medicina, observamos, felizmente, que barreiras moralistas e preconceituosas são derrubadas dando lugar a descobertas muito importantes para a humanidade. É o caso dos estudos com as células-tronco. No campo da dependência de drogas o cenário é o mesmo. Não haverá evolução no tratamento de dependentes e usuários pesados de drogas se permanecermos fechados a preconceitos. Este comportamento pautado em ideologias é na sua essência anti-científico! Têm sido muito animadores os resultados obtidos a partir de centenas de pesquisas científicas sérias comprovando a eficácia do uso de princípios ativos da maconha no tratamento de múltiplas doenças tais como glaucoma, dor crônica, ansiedade, câncer, AIDS e esclerose múltipla. Nos países verdadeiramente abertos à pesquisa e ao desenvolvimento da medicina os doentes que sofrem destes males já podem contar com os benefícios destes resultados incorporados ao seu tratamento.
Enquanto pesquisador da Universidade Federal de São Paulo, há muitos anos oriento teses e publico artigos sobre o potencial terapêutico da cannabis. A investigação deste potencial terapêutico obviamente não implica em não reconhecermos os riscos e danos relacionados ao uso indevido desta droga. Desta forma, causou-me surpresa tomar conhecimento da polêmica que se instalou no jornal Zero Hora, no último final de semana, a partir de um trabalho de minha autoria publicado há mais de dez anos em uma conceituada revista científica americana sobre o uso terapêutico de cannabis em dependentes de crack (Journal of Psychoactive Drugs, 1999). Maior espanto foi constatar que fui atacado pelo médico Sergio de Paula Ramos ao dizer que eu teria “fugido” de uma discussão sobre o tema em um congresso científico “escapando do debate científico sério”, tendo ele ainda acrescentado “Ele não teve peito de ir. O experimento não tem a menor credibilidade científica. Foi muito criticado quando veio a público, anos atrás. Foi feito com poucas pessoas, seguidas durante pouco tempo. Dizer que a maconha pode fazer algum bem beira a irresponsabilidade. É dar as costas para a ciência”.

Inicialmente gostaria de esclarecer que, contrariamente ao que afirmou o médico, não havia nenhuma discussão agendada, mas tão somente uma mesa redonda onde alguns trabalhos seriam apresentados, entre os quais o meu e o dele. Por um problema de organização do evento, foram equivocadamente programadas duas atividades simultâneas nas quais eu participaria. Diante do ocorrido, optei por estar presente na outra atividade, de maior relevância científica que a mesa referida, e solicitei a um colega que fizesse a apresentação do trabalho em meu lugar. A propósito, recordo-me de que a participação de Sergio de Paula Ramos, ao apresentar seu trabalho nesta mesa redonda, foi muito comentada durante o evento (Congresso Brasileiro de Psiquiatria) pelo seu conteúdo ideologicamente tendencioso e uso de linguagem pejorativa, onde ele inclusive se referia aos dependentes de maconha como “maconheiros”, comportamento inaceitável em um evento cientifico sério.

O artigo que publiquei em 1999 tem ocasionalmente sido objeto de ataques e críticas descabidas lançadas por indivíduos que, ao fazê-las da forma como fazem, denotam sua total ignorância sobre o estudo realizado. Claramente, demonstram sequer terem lido o trabalho!

Gostaria de esclarecer que, efetivamente, trata-se tão somente de um estudo observacional onde apenas constato um fenômeno espontâneo que ocorre entre dependentes de crack: o uso da maconha na tentativa de se manterem abstinentes desta droga. O acompanhamento destes dependentes mostrou, surpreendentemente, que a partir de sua iniciativa de utilizar esta estratégia (substituir crack por maconha) 68 % destes dependentes conseguiram abandonar o uso de crack. Posteriormente deixaram também de utilizar a maconha.

Finalmente, quanto à seriedade científica deste trabalho, ele não somente foi aceito para publicação em uma reconhecida revista científica americana como foi elogiado por pesquisadores nacionais e internacionais de grande prestigio na comunidade científica acadêmica.

Não se trata de ser contra ou a favor do uso de maconha. Trata-se, sim, de ampliar o conhecimento que temos sobre as propriedades neuroquímicas das substâncias e seus efeitos no cérebro de forma a permitir o desenvolvimento de novos tratamentos com maior eficácia. A postura científica de pesquisa pressupõe isenção de crenças pessoais, preconceitos e ideologias, o que eventualmente nos coloca frente a constatações surpreendentes.

Não entendo porque este jornal publicou as críticas inusitadas destes “especialistas” sobre a minha pessoa e sobre a qualidade científica deste meu trabalho sem consultar minha opinião a respeito e sem paralelamente submetê-las ao julgamento de referências renomadas e verdadeiros especialistas no campo das dependências em nosso meio. O Brasil conta com grandes pesquisadores na área de drogas, com projeção internacional, que têm opiniões bastante diferentes das divulgadas neste jornal, além de se destacarem por uma postura eticamente impecável.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

uso medicinal

Prescrever ou não a maconha? A edição de abril da Revista New Mobility traz uma matéria completa sobre o uso da maconha como medicamento, abordando também as questões legislativas e os benefícios já relatados sobre o uso da planta como remédio. Confira a reportagem na íntegra traduzida exclusivamente para o site da vereadora Mara Gabrilli.

Prescrever maconha ?

Desde seu acidente em 1990, Mark Braunstein, um paraplégico parcial, tem vivido sozinho em uma casa no campo em Connecticut – cuidando de sua casa, lavando suas roupas, plantando um jardim e cozinhando – tudo isso enquanto se sustenta com seus próprios recursos, provenientes de sua atividade como escritor e bibliotecário de escola. Porém, sua paixão em plantar vegetais não é sua única atividade de jardinagem. Desde 1991, Braunstein tem fumado meio grama de maconha de sua própria plantação (mais ou menos um cigarro) toda noite depois do jantar. Sem seu baseado noturno, ele diz que não seria capaz de usar suas muletas para andar na sua casa, porque os espamos fariam com que suas pernas saíssem de seu controle. Ele tampouco seria capaz de dirigir sem o comando manual (aceleração nos carros de paraplégicos é feita através de uma alavanca controlada pelas mãos), pois sua perna errante faria seu carro derrapar para fora das ruas. “ “Não foi apesar da maconha que eu me mantive produtivo”, ele diz, “ mas sim, por causa dela”.

Braunstein nunca usou remédios farmacêuticos nos 17 anos anteriores ao seu acidente e tem evitado usá-los desde então. “ Eu não queria virar um zumbi”. Pelo contrário, ele se manteve através de seu doloroso tratamento enquanto buscava uma solução natural. Através dos comentários da comunidade de pessoas com deficiência e de experimentações, Braunstein descobriu que a única coisa que alivia tanto seus espamos, quanto sua dor era a maconha – e o único efeito colateral é que Braunstein se sente eufórico “Eu tenho uma alta tolerância para euforia”, ele satiriza.

Hoje em dia, parece que os EUA tem uma tolerância maior em relação ao uso da maconha como medicamento. Atualmente, 14 Estados têm algum tipo de legislação referente ao uso da maconha medicinal, e parece que a lista ainda irá crescer. Até porque a gestão Obama prometeu cessar as buscas a estabelecimentos que vendem maconha medicinal, mas que cooperam com as leis estaduais, e publicamente parece que está tudo bem com aqueles que necessitam de cannabis para tratar suas doenças. No entanto, mesmo se você for sortudo o suficiente para morar num dos lugares que aprovaram o uso da maconha medicinal, as regras variam de Estado para Estado. E as restrições instituídas para prevenir o uso indiscrimanado da droga começaram a dificultar o acesso daqueles que precisam de uma dose da erva para o uso médico.

Usuários medicinais têm lidado com estas consequências por conta da falta de harmonização legislativa que, em âmbito federal, classifica a maconha como uma droga ilicita, enquanto cada vez mais Estados aprovam seu uso sob certas condições. Evidentimente que muitos usuários medicinais têm sido favoráveis a total legalização, mesmo para usos recreacionais, pois acreditam que esta é a única forma de acabar com os gargalos burocráticos que atrapalham o acesso àqueles dependem da maconha para tratamentos.

O Prefeito de Oaksterdam

O direito ao uso de maconha medicinal na Califórnia foi formulado através da desobediência civil, com uma rede de distribuição underground estabelecida muito antes do Estado torná-la legal, em 1996. Muitos dos que fizeram parte dessa rede continuam encarcerados até hoje. Sob a administração Bush, estabelecimentos que vendiam maconha medicinal estavam sendo perseguidos quase diariamente. “Agora é muito mais uma questão de zoneamento”, diz Richard Lee, o paraplégico ativista pró-maconha conhecido por ter criado um pedaço libertário de Amsterdam em Oakland. “Algumas cidades e condados votaram contra os estabelecimentos que vendem maconha medicinal, porque eles não precisam tê-los”.

Lee é também o reitor da Oaksterdam University, instituição na qual os estudantes aprendem tudo sobre maconha, desde decisões judiciais até técnicas de cultivo. Atualmente, ele está liderando a campanha para tributar e regular a droga, pois mesmo que o Estado tenha uma das legislações mais permissivas do país – aprovando tratamentos para encefália, dores crônicas e qualquer outra doença, desde que recomendada formal ou verbalmente por um médico – usuários medicinais ainda enfrentam grandes problemas.

Apesar da quantidade mínima (de 8 gramas da susbtância seca e 12 plantas imaturas ) poder ser aumentada a critério do médico, Lee diz que isso não é sempre a realidade. “ Um dos problemas é que a polícia tenta bancar o papel de médico, decidindo quem é doente o suficiente e quem não é”. Mas, como Lee e os demais 56% da população que aprovam sua iniciativa estão cientes, este é apenas um sintoma de um problema muito maior. Devido ao fato de que a maconha é ilegal e não é reconhecida como um medicamento no âmbito federal, ela não é regulada pela FDA – Food and Drug Administration (espécie de ANVISA norte-americana) como outros medicamentos que já são prescritos.

“Maconha não pode ser prescrita, ela só pode ser recomendada,” Lee diz. Isso significa que não há uma dose-padrão oficial. A “quantidade correta” é arbitrariamente definida através de recomendação física e do boca-a-boca, abrindo as portas para potenciais abusos e restrição injustificada pelas autoridades estaduais. Nesse contexto, em janeiro de 2010, a Suprema Corte da Califórnia decidiu que as restrições a posse de maconha estaduais são inconstitucionais porque não foram decididas pelos eleitores. Até mesmo a Associação Médica Americana reverteu sua posição linha dura e atualmente recomenda a realização de estudos a respeito das propriedades medicinais da planta. Até que isso coincida com um critério do FDA, o quanto é adequado para o tratamento permanece uma questão subjetiva. “ Com a legalização é possível ter muito mais controle”, afirma Lee. “É possível classificar a maconha e testar sua força em termos de quantidade de THC”, diz.

Em janeiro, Lee apareceu num documentário da CNBC (do canal americano NBC) sobre a indústria da maconha. O filme não só mostrou as plantações de maconha tomando os espaços da dos parques nacionais da Califórnia, mas também mostrou que os cuidadores estão se desvirtuando de suas funções, pois utilizam de sua condição para plantar maconha e revendê-las a preços mais baixos do que os preços dos estabelecimentos que vendem maconha medicinal. “ Até certo ponto, isso continua acontecendo. Mesmo os lugares próprios para a venda da maconha não podem baixar muito os preços, pois isso levaria à revenda da maconha deles no mercado negro”, diz Lee. “ Se a cannabis fosse legalizada, o preço cairia e essa prática seria eliminada.”

E isso não está acontecendo só na Califórnia. Braunstein alega que essa prática também é comum do outro lado dos EUA, em Rhode Island. “Eles não contam isso para a mídia, mas um dos problemas é que certos cultivadores legais estavam explorando a situação e vendendo maconha para seus clientes a U$400,00 – U$ 500,00 a onça ( aproximadamente 28 gramas).” Joanne Leppanen, diretora associada da Coalizão de Pacientes de Rhode Island, nega essa alegação, dizendo justamente o oposto. “ São as grandes capturas nas quais o cara é pego com maconha, armas e cocaína e, por acaso, tem um cartão de usuário de maconha medicinal acabam chamando toda a atenção da mídia. O que não chama a atenção”, diz ela, “ são os pequenos casos do sistema de saúde que operam sem lucros e podem aparecer na sua casa, comprar seus equipamentos e plantar sua maconha sem custos para você.” De acordo com Leppanen, alguns tentam contatá-la e oferecem sua maconha extra para as pessoas que necessitam. Ainda, diz ela, vender no “mercado informal” pode resultar na revogação do cartão.

Usuários medicinais e não típicos maconheiros

Ellen Smith não é uma maconheira comum buscando uma desculpa para se chapar. Ela é uma mãe comum de Rhode Island que se tornou a 200ª usuária medicinal de um Estado que já tem mais de 1.000 usuários registrados desde que a maconha se tornou legal em 2006. Ellen tem duas condições terminais raras. A síndrome de Ehler-Danlos está destruindo o tecido conector de seus músculos e começou a destruir seus órgãos. A outra doença, Sarciodosis, produz granulomas em seus pulmões. “O especialista em dores olhou meus prontuários médicos e concluiu que eu sou alérgica a qualquer outra coisa, então ele me indicou a planta”.

Apesar de ela não gostar muito do estigma que a droga tem, está muito feliz com o fato de que a maconha pode ajudá-la dormir. Como seus pulmões estão muito frágeis para que ela fume, ela ingere maconha líquida toda noite antes de deitar. Ela afirma que está muito satisfeita com a ajuda que recebe, mas diz que ouviu histórias de que cultivadores estão explorando outros usuários medicinais. “ Cuidadores estão trabalhando com isso por motivos individuais. Eles não ligam muito para compartilhar sua maconha com as pessoas que necessitam. Eles querem dizer que são cuidadores, mas eles só querem a maconha para si próprios.”

Ellen já teve suas plantas roubadas em duas ocasiões. Até mesmo agora, quando os estabelecimentos que comercializam a maconha foram finalmente autorizados, ter sua própria plantação era o único meio legal para que ela pudesse obter seu remédio. “As pessoas precisam de ajuda. Existem senhoras mais velhas que não conseguem plantar suas ervas sozinhas e não tem condições de irem até uma loja na esquina.” Formulários precisam ser preenchidos e pesquisas de antepassados criminais precisam ser feitas antes que alguém tenha acesso aos cartões de usuário. E só existem três centros para fazer isso em todo Estado. “ No momento, estamos abertos para receber pedidos daqueles que desejam abrir um centro para isso”, diz Leppanen.

Por sorte, Ellen e seu marido conseguiram achar as crianças de colegial que roubaram suas plantas medicinais. “ Eles se desculparam o tempo todo. Eu disse que eles que não tinham ideia do pesadelo que me fizeram passar. “Vocês precisam voltar para a escola e falar para todo mundo que esse é meu remédio, o que me resta de vida, e sem isso, eu não tenho vida”, disse.

E Ellen mal possui os meios para pagar por suas plantas. Obrigada a se aposentar como professora, ela não conseguiu se aposentar. Claro que, mesmo se ela vier a recebê-lo, seu medicamento é ilegal sob os olhos da previdência federal, então sua maconha não seria classificada como droga a ser prescrita e recolhida gratuitamente pela previdência, mesmo que ela e muitos outros deixem de usar outros remédios para usar maconha. “ Eu deduzo todas as minhas despesas com o cultivo de meu imposto de renda. Acredito que é legal”, diz ela. Não dá nem para contar nos dedos da mão o número de planos de saúde que reembolsam as despesas com maconha, e todas estão na Califórnia. É dever dos Estados criar meios de ajudar os menos abastados, pois eles não têm o suporte de programas como o Medicaid.

“Os Estados vão querer que os Centros de Compaixão (locais de ajuda aos mais pobres) tenham planos para aqueles com menor renda, porque metade de nossos clientes vivem com U$ 700,00 por mês”, Leppenan diz. De fato, uma fonte anônima afirma que aqueles que requerem vale-alimentação têm incluído como despesas a serem pagas pelos Centros de Compaixão suas despesas com maconha, e os funcionários dos centros têm reembolsado suas despesas.

Descriminalização: o caminho para a legalização ?

Em 11 de Janeiro, New Jersey tornou-se o mais novo Estado a aprovar o uso da maconha medicinal, e é um dos seis Estados, assim como Rhode Island, que legislou a respeito dos estabelecimentos para comercializar a planta. Contudo, New Jersey tem uma das legislações mais conservadoras a respeito do uso da maconha medicinal no país. Somente seis centros de tratamento alternativo serão criados em todo Estado, e os usuários medicinais não poderão plantar sua própria maconha. Para se tornar um usuário medicinal, as pessoas terão de ou ganhar na loteria do diagnóstico ou ter somente mais um ano de vida. Somente 10 condições, incluindo aqueles estados terminais críticos, são aprovados para o uso medicinal.

Sob essas regras restritivas, Ellen não estaria apta a ser classificada como usuária medicinal. Tampouco a cobertura total para dores crônicas habilitaria uma pessoa a poder comprar maconha medicinal. “ A lista foi mais do que dizimada”, diz Ken Wolski, uma enfermeira registrada e diretora (CEO) da “Coalizão pró Maconha Medicinal de New Jersey”. Aqueles classificados como potenciais usuários têm acesso a aproximadamente 56 gramas de maconha por mês, menos que o governo federal fornece em seu programa investigativo de drogas. Esses usuários cadastrados no governo federal têm conseguido esta quantidade 2 vezes por semana durante mais de 25 anos. “ Nós achamamos essa quantidade insuficiente, mas esse foi um compromisso para que o projeto de lei virasse lei. Acreditamos que 56 gramas por mês provavelmente serão suficientes para metade dos pacientes cadastrados”, afirma Wolski. No extremo oposto, tanto Oregon, quanto o Estado de Washington permitem que um usuário medicinal possua até 672 gramas.

Em New Jersey, especialistas em maconha não poderão recomendá-la para seus clientes, ao contrário do que os demais especialistas em outras áreas fazem com seus medicamentos. Os médicos que recomendarem maconha precisam ser do próprio Estado de New Jersey e devem ter um relacionamento prévio com o paciente. Alguns pensam que as regras restritivas de New Jersey podem servir como um catalizador para uma legislação federal.

“ A lei pode muito bem servir como um modelo para o resto do país. Nós certamente esperamos que o modelo de New Jersey faça com que o governo federal mude seu olhar sobre a maconha”, diz Wolski. Isto porque New Jersey irá fazer com que a maconha seja vendida nas próprias farmácias. Todos os aspectos de suas atividades não-lucrativas serão sujeitos a regulação estadual e supervisionados pelo Departamento de Saúde Estadual. Quantidades serão gravadas e monitoradas pelo Departamento de Justiça e Segurança Pública – da mesma forma com que outros narcóticos distribuídos ao público são monitorados.
Os 14 Estados que possuem programas de maconha medicinal representam mais ou menos um quarto da população dos EUA, e mais uma dúzia de Estados estão considerando adotar essa medida. Além da Califórnia, o Estado de Washington (onde a maconha já é discriminalizada) tem um projeto de lei para a total legalização que se encontra parado. Se a legalização fosse uma realidade em qualquer instância, seria necessária a existência de uma diferenciação entre o uso recreacional e o uso medicinal. “ Seria nosso trabalho garantir que fossem feitas provisões especiais para os usuários medicinais. Eles continuarão precisando de proteção”,diz Leppanen.

Apesar da conversa sobre a legalização em âmbito federal, a batalha pela maconha medicinal continua no âmbito estadual. Com somente uma folha de prescrição de um médico de Amsterdam, Braunstein é obrigado a comprar sua maconha de um vendedor de rua por U$ 200 (U$ 400 pela melhor qualidade). O Estado de Connecticut, no qual ele reside, ainda precisa tornar legal seu tratamento. “ Em 2007 nós estávamos muito próximos, o projeto de lei já tinha passado pelo Senado e pela Câmara dos Deputados, mas acabou sendo vetado pelo governador” ele diz. Ele, sem dúvida, participará das audiências públicas quando o projeto de lei voltar a pauta, uma vez que a governadora Jodi Rell anunciou que não concorrerá a re-eleição em 2010.

Mas Braunstein está olhando mais adiante. Ele sabe que a real vitória reside na legalização. “ Isso vai por de lado toda a questão do uso medicinal – você não precisará passar por todos esses procedimentos. Uso medicinal foi o primeiro passo, o uso recreacional será o próximo. Somente legalizar a maconha medicinal obviamente não é o suficiente.”

Ellen Smith resume o ponto de vista pró-legalização: “Assim como acontece com o álcool e qualquer outra droga, existem certas pessoas que se tornarão adictas. E haverá crianças que tentarão comprar maconha e conseguirão. Mas esse problema existe com álcool e outras drogas prescritas, então não é como se não soubéssemos como lidar com isso nesse país. O que estamos esperando ?”


O que diz a pesquisa


Os efeitos da maconha em pessoas com esclerose múltipla têm sido estudados com maior frequência do que sobre outras doenças. A edição de dezembro de 2009 da revista BMC Neurology trouxe uma análise de seis testes aleatórios em pacientes com esclerose múltipla que usaram maconha como medicamento. Do total de 481 participantes, aqueles que usavam cannabis tiveram uma redução de seus sintomas. “A experiência subjetiva da redução do sintoma foi significativamente sentida”, reportaram os autores da Fundação Global de Neurosciência de Los Angeles (Global Neuroscience Iniative Foundation of Los Angeles). A palavra chave é “subjetivo”. Muitos estudos chegaram a conclusões similares, mas as tentativas de mensurar objetivamente a redução de espamos resultaram inconclusivas. Talvez porque o instrumento visual usado para tal mensuração, a escala Ashworth, não é sensível o suficiente para detectar pequenas, mas significativas, mudanças.

Até hoje, o maior estudo sobre a maconha em pacientes com esclerose múltipla – não incluído na edição da revista BMC Neurology – foi o estudo CAMS de 2003, que contou com 667 participantes. Os pacientes relataram melhorias em relação às dores, espamos e distúrbio de sono, muito embora a corroboração objetiva deste estudo restou incomprovada. No entanto, um outro estudo, realizado um ano depois, teve resultados mais positivos, sugerindo que a cannabis “é potencialmente neuro-protetiva e envolvida na plasticidade sináptica”. Em outras palavras, ela pode reduzir a degeneração do sistema nervoso e as lesões cerebrais. Reduções de sintomas na bexiga também foram relatadas. Contudo, outros estudos concluíram que a cannabis tem efeitos negativos sobre as habilidades cognitivas. Portanto, a questão permanece: quanto é seguro, e por quanto tempo ?

Uma possibilidade especialmente promissora é a redução da dor neuropática, algumas vezes chamada de dor central, que é de difícil controle e afeta aqueles com esclerose múltipla, lesão na medula óssea e outros pacientes com doenças no sistema nervoso central.

Os efeitos positivos da maconha terapêutica são difíceis de serem estudados por razões outras que não a dicotomia entre a subjetividade/objetividade dos relatos. A maioria dos pacientes testados sabem quando eles estão recebendo a maconha de verdade ao invés de mero placebo. Maconha é complexa, reunindo mais ou menos 60 componentes, e a aprovação de pesquisas e testes esbarrará no governo federal, enquanto a maconha continuar classificada como uma droga perigosa. Ainda, a potência varia, assim como o efeito geral, conforme o método de ingestão. Todos esses fatores apontam claramente para a necessidade de mais pesquisas e de maior apoio, e menos entraves, do governo federal. No meio tempo, cabe aos Estados decidirem se a maconha medicinal é um remédio ou uma ameaça.

ESTADOS QUE PERMITEM O USO MEDICINAL DA MACONHA

- Estado (ano da lei) e limite de posse
Alaska (1998) 1 onça; 6 plantas (3 maduras e 3 imaturas)
Condições para aprovação
Caquexia, cancer, dores crônicas, epilepsia e outras desordens causadas por convulsões, glaucoma, HIV ou AIDS, esclerose múltipla e outras desordens caracterizadas por espaticidade muscular, e nausea. Outras condições estão sujeitas a aprovação por parte do Departamento de Saúde e Serviços Sociais do Alaska

- Estado (ano da lei) e limite de posse
Califórnia (1996) 8 onças, 18 plantas (6 maduras e 12 imaturas). Há comercialização
Condições para aprovação
AIDS, anorexia, artrite, caquexia, cancer, dores crônicas glaucoma, enxaqueca, persistentes espamos musculares, incluindo espamos associados com esclerose múltipla, convulsões, incluindo aquelas associadas com epilepsia, náusea severa; outros sintomas crônicos e persistentes.

- Estado (ano da lei) e limite de posse
Colorado (2000) 2 onças, 6 plantas (3 maduras, 3 imaturas) Há comercialização
Condições para aprovação
Câncer, glaucoma, HIV/AIDS positivo, caquexia; dores severas, náusea severa, convulsões, incluindo aquelas características da epilepsia; persistentes espamos musculares, incluindo aqueles característicos de esclerose múltipla. Outras condições estão sujeitas a aprovação por parte da Comissão de Saúde do Colorado

- Estado (ano da lei) e limite de posse
Hawaii (2000) 3 onças, 7 plantas (3 maduras, 4 imaturas)
Condições para aprovação
Câncer, glaucoma, HIV/AIDS positivo, caquexia; dores severas, náusea severa, convulsões, incluindo aquelas características da epilepsia; persistentes espamos musculares, incluindo aqueles característicos de esclerose múltipla ou doença de Crohn. Outras condições estão sujeitas a aprovação por parte do Departamento de Saúde do Hawaii

- Estado (ano da lei) e limite de posse
Maine (1999) 2.5 onças, 6 plantas
Condições para aprovação
Epilepsia e outras desordens causadas por convulsões, glaucoma, esclerose múltipla e outras desordens caracterizadas por espaticidade muscular, náusea e vômitos associados a tratamentos de AIDS ou quimioterapia.

- Estado (ano da lei) e limite de posse
Michigan (2008) 2.5 onças, 12 plantas
Condições para aprovação
Câncer, glaucoma, HIV, AIDS, hepatite C, esclerose lateral amiotrófica, doença de Crohn, Alzheimer, síndrome de unha-patella, caquexia, dores severas e crônicas, náusea severa, convulsões, epilepsia, espamos musculares e esclerose múltipla.

- Estado (ano da lei) e limite de posse
Montana (2004) 1 onça, 6 plantas
Condições para aprovação
Câncer, glaucoma, HIV/AIDS positivo, caquexia; dores severas, náusea severa, convulsões, incluindo aquelas características da epilepsia; persistentes espamos musculares, incluindo aqueles característicos de esclerose múltipla ou doença de Crohn. Outras condições estão sujeitas a aprovação por parte do Departamento de Saúde de Montana

- Estado (ano da lei) e limite de posse
Nevada (2000) 1 onça, 7 plantas (3 maduras, 4 imaturas)
Condições para aprovação
AIDS, câncer, glaucoma, qualquer condição clínica que gere caquexia, dores severas e crônicas, náusea severa, convulsões, epilepsia, espamos musculares e esclerose múltipla. Outras condições estão sujeitas a aprovação por parte da seção de saúde do Departamento de Recursos Humanos

- Estado (ano da lei) e limite de posse
New Jersey (2010) 2 onças. Há comercialização
Condições para aprovação
Desordens relacionadas a convulsões, incluindo epilepsia; espaticidade muscular ou do esqueleto incurável; glaucoma; náusea severa ou vômito; caquexia, ou perda de peso relacionada a HIV/AIDS ou câncer; esclerose lateral amiotrófica; esclerose múltipla; câncer terminal; distrofia muscular; doença inflamatória intestinal, incluindo a doença de Crohn; doenças terminais, se o médico avaliar que o paciente tem menos de 12 meses de vida ou qualquer outro quadro clínico que for aprovado pelo Departamento de Saúde de New Jersey

- Estado (ano da lei) e limite de posse
New Mexico (2007) 6 onças, 16 plantas (4 maduras, 12 imaturas) Há comercialização
Condições para aprovação
Dores crônicas severas, neuropatia periférica dolorosa, náusea/vômito intratável, hepatite C, doença de Crohn, desordem de stress pós-traumático, ELA, câncer, glaucoma, esclerose múltipla, danos ao tecido nervoso da medula óssea com espaticidade intratável, epilepsia, HIV/AIDS e pacientes de hospício.

- Estado (ano da lei) e limite de posse
Oregon (1998) 24 onças, 24 plantas (6 maduras, 18 imaturas). Há comercialização
Condições para aprovação
AIDS, câncer, glaucoma, qualquer condição clínica que gere caquexia, dores severas e crônicas, náusea severa, convulsões, epilepsia, espamos musculares e esclerose múltipla. Outras condições estão sujeitas a aprovação por parte da seção de saúde do Departamento de Recursos Humanos de Oregon

- Estado (ano da lei) e limite de posse
Rhode Island (2006) 2.5 onças, 12 plantas. Há comercialização
Condições para aprovação
Câncer, glaucoma, HIV, AIDS, hepatite C, esclerose lateral amiotrófica, doença de Crohn, Alzheimer, síndrome de unha-patella, caquexia, dores severas e crônicas, náusea severa, convulsões, epilepsia, espamos musculares e esclerose múltipla.Outras condições estão sujeitas a aprovação por parte do Departamento de Saúde.

- Estado (ano da lei) e limite de posse
Vermont (2004) 2 onças, 9 plantas (2 maduras, 7 imaturas)
Condições para aprovação
AIDS, câncer, glaucoma, qualquer condição clínica que gere caquexia, dores severas e crônicas, náusea severa, convulsões, epilepsia, espamos musculares e esclerose múltipla.

- Estado (ano da lei) e limite de posse
Washington State (1998) 24 onças, 15 plantas
Condições para aprovação
Doença de Crohn, hepatite C com náusea debilitante ou dores intratáveis, doenças, incluindo anorexia, que resultam em vômitos, perda de peso, perda de apetite, cãibras, convulsões, espasmos musculares quando estes não são solucionados por medicamentos convencionais.
Clique aqui para ler a reportagem na versão original

Fonte: Revista New Mobility- Reportagem de Aaron Broverman/Fotos: Mark Braunstein
Tradução: Felipe Daud
Edição: Adriana Milani

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

os problemas do proibissionismo



Maconha sintética começa a virar problema de saúde pública nos EUA
Número de complicações causadas pelo produto salta de 13 para 766 em um ano, diz especialista
30 de julho de 2010 | 14h 36

Uma mistura de ervas e produtos químicos apelidada de K2, que é vendida legalmente nos Estados Unidos como incenso mas que produz efeitos semelhantes aos da maconha quando fumada, está levando um número crescente de pessoas aos hospitais, informam médicos.

O aumento súbito no número de chamadas de emergência já levou dez Estados a banir o K2 e outras marcas dos chamados produtos de maconha.sinté tica. Médicos que trataram usuários de K2 também estão emitindo alertas.

"Minha primeira reação a um produto é, 'cuidado, comprador'", disse o diretor de toxicologia do Cardinal Glennon Children's Medical Center, Anthony Scalzo. "Você não sabe exatamente o que há no produto, as doses relativas no produto, e não há garantia de qualidade", explicou.

K2, definido pelo Centro de Venenos do Missouri como uma mistura de ervas e especiarias salpicada com uma substância psicoativa, é comparado à maconha porque o composto químico interage com o cérebro de forma semelhante à droga.

A despeito da advertência no rótulo contra a ingestão, fumar K2 tornou-se um modo popular de drogar-se e escapar da polícia. O produto é vendido pela internet e em lojas de conveniência por US$ 30 ou US$ 40 o pacote de 3 gramas.

Usuários, desde adolescentes a adultos na faixa dos 60 anos, queixam-se de sintomas como agitação, ansiedade, hipertensão, vômitos e, em alguns casos, paranoia severa e alucinações.

"Essas pessoas vão parar na emergência e estão extremamente agitadas", disse Scalzo. "Elas sentem como se o coração fosse pular para fora do peito".

Ele disse que complicações do uso de K2 eram consideradas raras um ano atrás, com 13 casos informados em todos os Estados Unidos. Mas neste ano o total já chega a 766.

ciência e fraude

O artigo contra o uso medicinal da maconha de Ronaldo Laranjeira e Ana C. P. Marques ("Maconha, o dom de iludir", "Tendências/Debates", 22/7) contém inverdades que exigem um esclarecimento.

A fim de desqualificar a proposta de criação de uma agência brasileira para pesquisar e regulamentar os usos medicinais da maconha, os autores citam de modo capcioso o livro "Cannabis Policy: Beyond the Stalemate".
Exatamente ao contrário do que o artigo afirma, o livro provém de um relatório com recomendações claramente favoráveis à legalização regulamentada da maconha.
Conclui o livro: "A dimensão dos danos entre os usuários de maconha é modesta comparada com os danos causados por outras substâncias psicoativas, tanto legais quanto ilegais, a saber, álcool, tabaco, anfetaminas, cocaína e heroína (...) O padrão generalizado de consumo da maconha indica que muitas pessoas obtêm prazer e benefícios terapêuticos de seu uso (...)
O que é proibido não pode ser regulamentado. Há vantagens para governos que se deslocam em direção a um regime de disponibilidade sob controle rigoroso, utilizando mecanismos para regular um mercado legal, como a tributação, controles de disponibilidade, idade mínima legal para o uso e compra, rotulagem e limites de potência. Outra alternativa (...) é permitir apenas a produção em pequena escala para uso próprio" (http://www.beckleyfo...mmission.html).

Qualquer substância pode ser usada ou abusada, dependendo da dose e do modo como é utilizada.
A política do Ministério da Saúde para usuários de drogas tem como estratégia a redução de danos, que não exige a abstinência como condição ou meta para o tratamento, e em alguns casos preconiza o uso de drogas mais leves para substituir as mais pesadas.

O uso da maconha é extremamente eficiente nessas situações. A maconha foi selecionada ao longo de milênios por suas propriedades terapêuticas, e seu uso medicinal avança nos EUA, Canadá e em outros países.
Dezenas de artigos científicos atestam a eficácia da maconha no tratamento de glaucoma, asma, dor crônica, ansiedade e dificuldades resultantes de quimioterapia, como náusea e perda de peso.

Em respeito aos grupos de excelência no Brasil que pesquisam aspectos terapêuticos da maconha, é preciso esclarecer que seu uso médico não está associado à queima da erva. Diretores da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead) afirmam frequentemente que maconha causa câncer. Entretanto, ao contrário do que diz a Abead, a maconha medicinal, nos países onde este uso é reconhecido, é inalada por meio de vaporizadores, e não fumada.
Isso elimina por completo os danos advindos da queima, sem reduzir o poder medicinal dos componentes da maconha, alguns comprovadamente anticarcinogênicos.

Causa, portanto, estranheza que psiquiatras venham a público negar o potencial terapêutico da maconha, medicamento fitoterápico de baixo custo e sem patente em poder de companhias farmacêuticas.

Num momento em que o fracasso doloroso da guerra às drogas é denunciado por ex-presidentes como Fernando Henrique Cardoso, em que a ciência compreende com profundidade os efeitos da maconha e em que se buscam alternativas inteligentes para tirá-la da esfera policial rumo à saúde pública, é inaceitável a falsificação de ideias praticada por Laranjeira e Marques.
O antídoto contra o obscurantismo pseudocientífico é mais informação, mais sabedoria e menos conflitos de interesses.



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SIDARTA RIBEIRO é professor titular de neurociências da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte).
JOÃO R. L. MENEZES é professor adjunto da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e coordenador do simpósio sobre drogas da Reunião SBNeC (Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento) 2010.
JULIANA PIMENTA é psiquiatra da Secretaria de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro.
STEVENS K. REHEN é professor adjunto da UFRJ.